Violência sexual contra crianças e adolescentes aumenta quase 70% em Santa Catarina, aponta Unicef

Nos últimos três anos, Santa Catarina teve 8.728 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Apenas em 2023, foram ao todo 3.672 vítimas no estado, aumento de 68,2%, comparado a 2022 quando 2.183 casos de violência ocorreram. Jovens entre 10 e 14 anos, principalmente do sexo feminino, são as maiores vítimas. A nível nacional, Santa Catarina teve o oitavo maior número de casos de violência sexual de crianças e adolescentes no ano passado.

Os dados são referentes ao período entre 2021 e 2023, e fazem parte do relatório “Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil”,  divulgado no dia 13 de agosto, produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).  A produção do relatório acontece a partir da coleta de informações pela FBSP, via Lei de Acesso à Informação (LAI). É solicitada às Secretarias de Segurança Pública (SSP) e Defesa Social de todos os estados brasileiros a base de dados formada por boletins de ocorrência, sobre estupros e mortes violentas intencionais. Com isso, é possível identificar as características do crime, da vítima e do autor, para cada fato registrado.

A pesquisa aponta mais de 164 mil casos de violência sexual nos últimos três anos no Brasil, com a média de um caso a cada oito minutos. Em números absolutos, apenas no ano passado, 63.430 jovens foram violentados no país. As principais vítimas são negras, do sexo feminino, e com idades entre 10 e 14 anos. Os crimes são cometidos, na maioria casos, nas residências e por pessoas conhecidas, como pais, padrastos, tios ou primos.

Entretanto, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) há altas taxas de subnotificações dos casos. A pesquisa apontou que há estados sem registros de dados em alguns anos, são eles: Acre (2021), Bahia (2021) e Pernambuco (2021 e 2022). “Em estimativa recentemente produzida pelo IPEA, afirma-se que apenas 8,5% dos eventos são reportados às autoridades policiais”, aponta a Unicef no relatório.

Segundo Andréa Lohmeyer, professora do Curso de Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e coordenadora geral da Escola de Conselhos de Santa Catarina, para saber o motivo da subnotificação de casos, primeiro é necessário entender alguns aspectos, como a forma e os meios para denunciar, se há instrumentalização do poder público e de que maneira os dados são coletados e qualificados. Além da forma como as campanhas de sensibilização estão chegando à população. “Nas épocas das campanhas com mulheres famosas sendo as embaixadoras contra a violência sexual havia um aumento de denúncias”, afirma Andréa. Ela também explica que esse tipo de campanha gera identificação e, consequentemente, eleva o número de casos, mas não devem ser a única forma de sensibilização.

A professora frisa que campanhas como o Maio Laranja, que marca 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil no Brasil, são fundamentais para a sensibilização. Porém, as campanhas não devem estar restritas a único dia ou mês, precisam ser contínuas, com apoio de toda sociedade civil e veículos de comunicação. “A gente precisa de campanhas fortes, a comunicação é sempre uma estratégia de prevenção e de enfrentamento à violência”, ressalta Andréa.


Tipologia da violência

A violência se manifesta de diferentes formas e não se limita à agressão física. Trata-se de um fenômeno complexo, que pode ser entendido como um problema social histórico e de saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) categoriza a violência em três grandes grupos: violência autoinfligida (contra si mesmo), violência interpessoal (nos meios domésticos ou comunitários) e violência coletiva (provocada por grupos políticos ou organizações).

Para compreender melhor a diversidade dos tipos de violência é possível ampliar a categorização da OMS. Pois, a violência pode assumir mais de uma forma quando direcionada a uma pessoa ou grupo específico, como à: crianças e adolescentes, mulheres, idosos, indígenas, deficientes, pessoas LGBTQIAPN+, população em situação de rua, entre outros grupos minorizados e socialmente vulnerabilizados. Alguns tipos de violências são:

  • Violência física (agressão e dano físico)
  • Violência psicológica ou moral (agressão verbal, opressão, entre outros)
  • Violência sexual (assédio, estupro, exposição à nudez, entre outros)
  • Violência financeira (retenção ou destruição de bens, entre outros)
  • Violência cultural (preconceito racial, religioso, linguístico, entre outros)
  • Violência por privação (negligência de direitos e abandono de incapaz)

A professora do Curso de Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e coordenadora geral da Escola de Conselhos de Santa Catarina, Andréa Lohmeyer acrescenta que ao falar sobre o tipo interpessoal de violação – cometido por uma pessoa contra outra – é importante entender as subcategorias desta forma de violência. “Tem a violência intrafamiliar, aquela em que a gente identifica o maior número de casos de violência sexual por pessoas que são da rede de relacionamento familiar ou pessoal daquela criança. E a violência extrafamiliar, que é essa do estupro por um desconhecido”, explica Andréa.

Além do tipo interpessoal, a professora afirma que também é importante pensar sobre as violências estruturais: quando sistemas econômicos, sociais e políticos restringem o acesso aos direitos básicos das pessoas. E institucionais: quando agentes públicos submetem indivíduos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos. Entre esses tipos, a violência institucional está tipificada na Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019).


Violência urbana

O relatório produzido pela Unicef também apresenta dados sobre violência letal urbana, ou mortes violentas (MVI), de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Entre 2021 e 2023, mais de 15 mil jovens foram mortos no Brasil. Houve uma queda na taxa de homicídios nos últimos três anos, mas as mortes causadas por intervenções policiais aumentaram. “Em 2023, quase um a cada cinco jovens mortos no Brasil foi vitimado em ações policiais”, relata a Unicef. Pretos ou pardos, do sexo masculino, entre 15 e 19 anos, são as maiores vítimas. Santa Catarina apresenta um dos menores índices de letalidade do país, mesmo assim, nos últimos três anos, 163 jovens morreram de forma violenta no estado

A Unicef destaca que no Brasil meninos negros de até 19 anos têm 21 vezes mais chances de ser assassinado do que meninas brancas. Segundo a organização, é necessário que vários estados considerem o controle do uso das forças polícias como uma variável para uma política bem sucedida de redução de homicídios contra crianças e adolescentes. Em relação a indivíduos do sexo feminino, o relatório aponta que 69,8% dos autores dos homicídios são pessoas próximas ou conhecidos, independente da cor da pele.

De acordo com Andréa, os casos de letalidade urbana podem ser resultados diretos da violência institucional, mas são, principalmente, fortes sintomas da estrutura social. Como falta de creches e serviços de convivência e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, previsto na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Ela explica que a violência estrutural provoca com que, desde cedo, as crianças e adolescentes estejam em situação de vulnerabilidade social e expostas a diferentes formas de violações de direitos. 

A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais institui diferentes instrumentos para proteção básica social. Os serviços devem preservar, fortalecer ou resgatar a convivência familiar e comunitária, ou então ajudar na construção de novas referências. Para isso, existem os Serviço de: Acolhimento Institucional, de Acolhimento em República, de Acolhimento em Família, e de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.

“A violência estrutural é uma das mais perversas, porque ela é invisível”, afirma Andréa, que continua: “Nós nos acostumamos com a desigualdade. Nós nos acostumamos a entender que mulheres podem ser vítimas de agressão”. Esses serviços seriam uma forma de reduzir danos e proteger as crianças de adolescentes, explica a professora, que destaca: “Se no horário pós-escola, ela [criança e adolescente] está em outra atividade. Se ela está sendo trabalhada por diferentes elementos, isso constitui uma rede de proteção”.

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