Mais de 660 cursistas concluintes, representantes de 156 municípios de todas as mesorregiões do estado. Essas são apenas algumas das principais marcas alcançadas pela Escola de Conselhos de Santa Catarina com a primeira edição do Ciclo Básico de Formação Continuada para os operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA). O Ciclo durou três meses e recebeu mais de mil inscrições.
O alcance da Escola de Conselhos a todas as mesorregiões tornou evidente a ampla diversidade e pluralidade de cursistas do Ciclo Básico. Ao todo, foram 806 participantes com diferentes experiências, faixas etárias, graus de escolaridade, gêneros e raças. Também foi evidenciada a grande participação de profissionais de todas as ocupações previamente definidas como público-alvo: Conselheiros Tutelares, Conselheiros de Direitos, além de profissionais das demais instituições que compõem o SGDCA.
Diversidade e pluralidade destacadas por Kelly Bueno, tutora das regiões Vale do Itajaí, Vale Europeu, Norte, Sul e Grande Florianópolis. “Um dia tinham pessoas de municípios de Pequeno Porte com uma formação com várias graduações, ou com várias especializações. E em outro dia tinham pessoas que estavam ainda em movimentos de construção desse conhecimento”, diz a tutora.
A primeira edição do Ciclo Básico de Formação Continuada contemplou todos os municípios catarinenses de Porte Pequeno I (até 20 mil habitantes) e Porte Pequeno II (até 50 mil habitantes). Seu conteúdo programático teve temáticas voltadas para a construção das políticas públicas dos direitos humanos da população infanto-juvenil e as atribuições e competências dos profissionais do SGDCA para a defesa e efetividade das propostas.
A diversidade não ficou restrita aos cursistas. As tutoras, de diversas origens, somaram a esse quesito. Gisele Cerqueira, baiana, tutora das regiões Oeste e Serrana, lembra de forma positiva o desafio de lidar com o alto grau de diversidade entre os cursistas. “Foi desafiador o processo de dialogar com diferentes pessoas, de diferentes formações, mas foram importantes essas diferenças para compor novos olhares e para pensar novos caminhos”, explica a tutora.
É importante destacar que dos 1095 inscritos apontados no gráfico, o Ciclo Básico teve efetivamente 806 cursistas homologados (88,2%). Isso significa que 289 interessados não puderam participar devido a inconsistências durante o ato de inscrição, como: atuar em município não contemplado no edital, não concluir ou preencher incorretamente o formulário de inscrição. A equipe da Escola de Conselhos prestou suporte contínuo para todos aqueles interessados que tiveram dúvidas ou apresentaram dificuldades durante a etapa de inscrição.
O mesmo suporte seguiu disponível para os cursistas ao longo de todo o Ciclo Básico. O que destaca o baixo índice de evasão (21,4%), inferior à ¼ dos cursistas – totalizando 173. Fato reiterado por Natália Martins, bolsista de Pedagogia da Escola de Conselhos de Santa Catarina. “Na minha percepção, está diretamente relacionado ao cuidado e acolhimento oferecidos aos cursistas ao longo da formação”, diz Natália. Além da atuação como bolsista, Natália foi determinante para a Coordenação Pedagógica e para o andamento do Ciclo Básico.
“Minha experiência com a primeira turma do Ciclo Básico foi extremamente enriquecedora. Estar junto na Coordenação Pedagógica de um curso com mais de 600 cursistas representou um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade única de crescimento profissional. Pensar e implementar estratégias que incentivassem o engajamento e a permanência dos participantes exigiu planejamento, sensibilidade e constante adaptação. Foi uma vivência que ampliou minha visão sobre formação continuada e reafirmou a importância de uma coordenação pedagógica ativa e acolhedora”.
Natália Martins, Bolsista de Pedagogia da Escola de Conselhos de Santa Catarina
Para além do alcance e números positivos obtidos, o primeiro Ciclo Básico de Formação Continuada também se destacou como uma bem-sucedida extensão universitária. É o que ressalta a coordenadora geral da Escola de Conselhos e professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Andréa Lohmeyer.
Ainda segundo a coordenadora geral da Escola de Conselhos, o Ciclo Básico seguiu todas as diretrizes que norteiam projetos de extensão. Ela destaca que o Ciclo contou com matriz didática definida, materiais qualificados, além de produtos pedagógicos-técnicos entregues aos cursistas. “Foi um trabalho que cumpriu a função pedagógica da extensão dentro da Política Nacional de Extensão Universitária”, afirma Andréa.
Maria Luiza Milani, cursista do município de Monte Castelo, reforça a qualidade dos materiais utilizados no Ciclo Básico e reafirma a essencialidade deles. “O material produzido que embasou os módulos, as aulas, as questões, ele é de altíssima qualidade”, conta a cursista. “Eu consegui visualizar todo o conteúdo com densidade, qualidade e com diversos indicativos de complementaridade”, destaca.
“Foi uma imensa felicidade a confirmação de que um trabalho feito de forma técnica, comprometida eticamente, responsável e com qualidade, sobretudo no âmbito de uma universidade pública e federal, é possível sim. A gente consegue fazer o bom uso do recurso público, atender bem a quem precisa da melhor forma. Ou seja, conseguimos assegurar eficiência, eficácia e efetividade. Então, essa formação mostrou que a universidade sabe sim, e consegue sim, fazer extensão universitária”.
Andréa Lohmeyer, Coordenadora Geral da Escola de Conselhos de Santa Catarina
Além disso, de acordo com Andréa, todos os cursistas concluintes foram certificados em 70 horas pela UFSC. Eles também receberam um e-book com o conteúdo pedagógico aprendido ao longa da formação. Para ela, o Ciclo faz com que os cursistas se tornem iniciantes na multiplicação de uma política e de um conteúdo baseado na proteção integral dos direitos humanos.
Dos 663 concluintes da primeira edição do Ciclo Básico, 361 atuam como Conselheiros Tutelares, 176 são profissionais de diferentes instituições do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA) e 96 outros são profissionais de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Números que representam 57%, 28% e 15% do total de concluintes, respectivamente.
Experiências diversas
Como já destacado, devido ao seu grande alcance territorial, o primeiro Ciclo Básico de Formação Continuada teve cursistas com diferentes perfis. Entre os concluintes se destaca o gênero feminino: mais de 90% são mulheres. Quanto aos percentuais de graus de escolaridade, cerca de 34% dos concluintes possuem ensino superior completo, como a cursista Fernanda Moreira, de 43 anos, do município de Barra Velha, no litoral de Santa Catarina.
Fernanda, que é formada em Serviço Social, afirma que o Ciclo Básico trouxe a possibilidade de rever conteúdos e aprender mais sobre outros temas. A cursista diz que com o Ciclo foi possível parar e refletir sobre práticas cotidianas, algo complicado devido às demandas ininterruptas. Ela lembra ainda que produzir o relatório final do Ciclo foi desafiador dadas as características do trabalho em rede. “Cada qual com uma vivência, conhecimento e limitações, e os conflitos que perpassam por tudo isso. Então, sim, foi um desafio, mas gostei muito do produto que foi entregue”, enfatiza Fernanda.
Com a finalidade de facilitar e democratizar o acesso aos materiais do Ciclo Básico, todos os cursistas utilizaram a plataforma online Moodle, com a mesma interface acessada por professores e alunos de todos os níveis do ensino superior vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na plataforma, além dos materiais, os cursistas, a qualquer momento puderam compartilhar informações e enviar as atividades propostas, como o relatório final, às tutoras.
“Tudo o que foi abordado no curso, foi e é utilizado no cotidiano de trabalho. Além disso, acrescentou no amadurecimento da minha busca por um refinamento do meu possível tema para um doutorado. Para além do curso em si, ter o levantamento que tais relatórios finais vão possibilitar uma marca de extrema importância para o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. Fico grata de ter participado desse curso, do aprendizado revivido e conhecido, e pela contribuição para quem trabalha e pesquisa sobre o tema”.
Fernanda Moreira, Cursista do Ciclo Básico de Formação Continuada
Outro destaque geral entre os cursistas é o da faixa etária. Aqueles com idades entre 31 e 40 anos formaram a maioria dos concluintes (32%). Enquanto o menor percentual é daqueles com idade superior a 60 anos (4%):
Uma das cursistas acima de 60 anos foi Maria Luiza Milani, de 67. Cursista de Monte Carlo, na região Norte de Santa Catarina, há mais de 20 anos ela trabalha com políticas públicas voltadas à crianças e adolescentes. Segundo Maria Luiza, para além do material didático de qualidade, a realização de uma aula presencial foi importante para a fundamentação do Ciclo Básico em sua região. “Eu observei, conversando com algumas pessoas, que o fundamento, a proposta do curso impactou a concepção de compromisso com a causa”, conta a cursista.
Acompanhamento essencial
O sucesso do primeiro Ciclo de Formação Continuada passa também pelo trabalho significativo das tutoras de cada uma das regiões atendidas. De norte a sul de Santa Catarina, de modo virtual ou presencial, as tutoras foram responsáveis por orientar, compartilhar conhecimentos, facilitar e prestar apoio contínuo aos cursistas.
Gisele Cerqueira, que trabalhou com cursistas dos municípios das regiões Oeste e Serrana, teve no Ciclo Básico sua primeira experiência como tutora. Segundo Gisele, essa experiência serviu também como fonte para aprendizagem sobre temas antes pouco explorados por ela. “Apesar de já ter prática na docência, é uma outra experiência”, afirma a tutora. “Eu pude compreender também como é que esse sistema (Garantia de Direitos) funciona e se operacionaliza dentro dos serviços, dentro dos contextos, quais as principais dificuldades e potencialidades”, ressalta Gisele.
“Essa proposta de funcionamento da Escola de Conselhos foi muito potente no meu percurso formativo e foi uma experiência bastante enriquecedora. Então, esse diálogo, nesse lugar de tutora com os alunos, foi muito importante para que a gente de fato consiga repensar as maneiras de se colocar diante das nossas funções, enquanto sujeitos que trabalham com a garantia do direito de crianças e adolescentes”.
Gisele Cerqueira, Tutora do Ciclo Básico de Formação Continuada
Tutora das regiões Vale do Itajaí, Vale Europeu, Norte, Sul e Grande Florianópolis, Kelly Bueno, que trabalha diariamente com o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA), declara que a experiência com o Ciclo Básico foi transformadora. Para ela, a possibilidade de compartilhar experiências foi imprescindível para compreender os contextos e as particularidades de cada região. “A gente dialogou muito sobre uma educação significativa como ferramenta de mudança social, e sobre ações que precisavam partir da gente para reverberar em práticas potentes que proporcionassem através de políticas públicas, mudanças”, afirma Kelly.
“As trocas significativas me levaram para um lugar muito potente, que é o de um monte de gente diferente, com pensamento diferente, mas com um objetivo em comum. E não vejo possibilidade de vencermos se não for na coletividade, com muita gente junto e intensas reflexões e estudos para que, de fato, tivéssemos um aprendizado potente na garantia de direitos de crianças e adolescentes”.
Kelly Bueno, Tutora do Ciclo Básico de Formação Continuada
De acordo com a coordenadora geral da Escola de Conselhos e professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Andréa Lohmeyer, a realização do primeiro Ciclo Básico de Formação Continuada apenas foi possível graças à união de esforços de diferentes atores. “Primeiro, o Governo Federal que confiou e viu na UFSC a capacidade e competência técnica, política e ética para poder implantar essa proposta na musculatura que precisaria, um projeto de tanta envergadura”, diz Andréa.
A coordenadora geral da Escola de Conselhos também ressalta a importância das entidades locais para a execução adequada do Ciclo. “Aqui eu faço um destaque para todas as 21 associações catarinenses de municípios que foram parceiras estratégicas porque vivenciam, conhecem, desbravam os territórios catarinenses”, afirma. A parceria afirmada pela coordenadora se estendeu ainda ao apoio no processo de divulgação do Ciclo Básico. A partir de contatos contínuos com representantes, as associações catarinenses de municípios viabilizaram canais de comunicação e estruturas para a realização de aulas inaugurais presenciais. “As minhas expectativas foram altamente superadas”, declara Andréa.
Novos Ciclos
Mesmo com a conclusão do primeiro Ciclo Básico, a Escola de Conselhos de Santa Catarina pretende seguir em frente com mais oportunidades de formação continuada. De acordo com Andréa Lohmeyer, o plano é que o primeiro Ciclo seja complementado por outros dois, o que totalizará, assim, três anos de formação para os operadores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA).
Para ela, os novos ciclos agregarão às experiências e aprendizados dos operadores do SGDCA, visando impactar a prática. “Cada ciclo vai tendo um momento maior de adensamento no conhecimento, mais desafios do ponto de vista pedagógicos, para que ele (operador do SGDCA) saia de uma situação de senso comum e encontre ferramentas teóricas e operativas para que isso possa subsidiar a intervenção prática no território”, declara.
Andréa Lohmeyer conta também que até o fim deste ano, os 633 cursistas concluintes do primeiro Ciclo Básico terão a oportunidade de fazer o Ciclo Intermediário. Segundo ela, a proposta é que sejam mais 70 horas de formação, num ciclo com maior aprofundamento e adensamento de conteúdos. Além de abrir uma segunda turma do Ciclo Básico que contemple novos profissionais das instituições que compõem o sistema de garantia de direitos.
Entretanto, como ação derivada de política pública, a formação continuada e, a manutenção da própria Escola de Conselhos de Santa Catarina, demanda recursos. Para que os planos atuais sigam em frente e novas ideias sejam desenvolvidas, articulações e mobilizações constantes vêm sendo realizadas. “Desde 2024, a gente vem muito forte na procura de parceiros, de toda a ordem, no campo legislativo, no campo da iniciativa privada, no campo dos fundos, em especial, o Fundo da Infância e Adolescência”, conta Andréa, que completa: “A gente precisa de recurso para manter essa formação pujante e continuada como deve ser”.